Existem algumas palavras que eu evito usá-las: crise, fracasso, pobreza, erro, e por aí segue a relação. Não. Eu não tenho vocação para "Padre Terezo" nem tampouco sou um "Pollyano". O que eu faço é encontrar um substituto que não passe a ideia de derrotismo. Simples assim. Meu otimismo não me permite falar em crise, mesmo que seja esta a tônica contemporânea. Prefiro chamar de "ajuste temporário do otimismo". Pobreza, prefiro denominar "estado de aprendizado e preparo para a fortuna", e erro, eu chamo de "um jeito diferente de acertar pela tentativa ainda em fase de ajuste".
Não sei se isso me coloca numa situação favorável ou apenas me empilha na prateleira dos "bobos alegres" e sonolentos, que ainda não perceberam o tamanho da encrenca em que estamos metidos com este ano de 2015, que passou disparado nas nossas contas e nos empurrou com ímpeto para o ano em que teremos saudades dos tempos de antanho. Não que tenham sido muito melhores, mas simplesmente porque os vencemos e chegamos até aqui.
Sobreviver em tempos do que os outros chamam de crise é uma arte, mas sobreviver e ainda ser bem sucedido, isso sim já é apenas para um seleto grupo que só existe nas fábulas contadas por palestrantes que precisam delas para ilustrar suas teorias e justificar seu cachê, em geral nada parecido com os proventos recebidos por suas plateias estupefactas. Sobreviver e fazer isso com dignidade é um lenitivo para as noites insones de preocupação pelo amanhã que chega sempre antes do que gostaríamos que chegasse. E o grande atrapalho da sobrevivência chama-se: "Dignidade!"
A sociedade helenística estabeleceu, já desde a antiguidade, o senso ridículo, infame e diabólico que quanto menos trabalham as mãos, mais digna é a pessoa em seu status social. Daí, sabedores que sem mãos que trabalhem, mentes não brilham pois vão morrer de fome, criaram um paliativo dizendo que "todo trabalho é digno". Digno para os outros, mas para quem pensa que pensa e não dispensa um pensar assentados no topo, a ideia de precisar usar os artelhos para prover o pão à mesa é praticamente o caos. Ou seja: Se você é um pensador, esqueça esse negócio de suar a camisa e bater martelo, enxada ou carregar peso maior que um livro ou seu notebook, porque não vai funcionar. Não com você.
Mas um dia eu tenho que rever meus valores e tenho que admitir: A crise chegou. Não tem máscara. Não tem, meias palavras e principalmente: não tem jeito outro senão descobrir pra que servem minhas mãos, meus braços e minhas pernas. Descobrir que meus dedos podem fazer mais que digitar. Meus braços podem fazer mais do que nadar, abraçar, gesticular. Podem erguer madeiras, cavar buracos, empunhar ferramentas e prestar serviços antes considerados de segundo escalão. Nunca forma e cada dia mais serão melhor remunerados do que a bolha pensante. Não tenho nenhuma dúvida que o rapaz que corta a grama e cuida do jardim aqui do condomínio ganha três a dez vezes mais do que o professor que mora aqui do lado. Que o encanador que troca o meu chuveiro tem um carro melhor que o do intelectual que vejo levantando o dedinho pra empunhar a xícara de cafezinho na livraria, enquanto lê com aspecto doutoral seu livro de novecentas páginas lá mesmo, porque comprar não pode, pois vai faltar para o ônibus. E se um dia achei que fosse diferente, estava enganado, porque se de um lado o intelectual não é nem capaz de fritar um ovo ou bater um prego na parede sem acertar o dedo, de outro lado, o encanador dispõe de tecnologia e acesso á informação que o qualifica para ser um expertise no que faz, sem perder o rumo da informação. Está se qualificando. Acelerou a tecnologia para aprimorar seu trabalho e ganhar mais. Cobrar mais. Do intelectual que levanta o dedinho pra beber café enquanto lê seu livro emprestado.
Acho que nunca fui intelectual, mas se algum dia pensei que fui, isso ficou lá atrás. Tenho contas a pagar, família pra sustentar e um nome para manter limpo nos cadastros do mundo. E não quero sentir inveja dos honorários do jardineiro e do carpinteiro. Serei eu também agora o jardineiro, o carpinteiro e o instalador. Assim posso ler meu livro com a cabeça erguida. E ainda escrever mais um.
(Estado de Alerta - Pacard 2015)