Memórias dos eventos de Gramado - I
Festival de Cinema - Fearte - Festival de Teatro Estudantil - Grêmio Machado de Assis
Pacard
Não tenho o menor interesse em me tornar historiador minucioso dos Festivais de Cinema de Gramado. Nem lembro com exatidão das datas que ocorreram alguns episódios, mas lembro dos episódios em si. Lembro também de outros eventos com os quais tive alguma relação, seja na condição de coordenador ou colaborador, ou como participante convidado ou pela porta de trás (penetra). São histórias pitorescas, que não tem nenhuma intenção de macular os personagens, antes um divertido compêndio de recordações de minha juventude em Gramado.
Os primeiros eventos de que lembro ocorreram nos verões perfumados de Gramado, onde passei a maior parte da vida. O principal era a Festa das Hortênsias, que ocorria creio que nos meses de Dezembro ou Janeiro, em datas alternadas. Não me saem da memória o perfume das hortências azuis que alcatifavam as colinas, as ruas, as frentes das casas em toda a cidade. Associo o clima temperado, as manhãs frescas e as tardes quentes ao gosto de melancia, cujo perfume quando cortada também era lembrado ao cortar a grama dos jardins.
Um dos espetáculos de que mais gostava era da Esquadrilha da Fumaça desenhando hortênsias no céu, enquanto misses desfilavam sobre carros alegóricos para delírio da multidão em torno da avenida principal. Penso que os anos eram por volta de 1967, 68.
Outro evento pertencente à programação eram as corridas de carros antigos, as "baratas" ou "carreteras". Lembro de um nome de pilot famoso: Catarino Andreatta. Um "às", ídolo da mulherada e da rapaziada que sonhava pisar fundo numa "carretera", pois o máximo que conseguiam era acelerar as DKW's, os Simca Chambord, os Aero Willis, as Vemaguetes e claro, os "Fucas". Rural Willis era o carro de passeio das familias medianas e como eu gostava de andar nelas. Lembro do Marcilio Cardoso (Tio Março), pai do Alexandre, Caetano e Manoel Inácio, que enchia sua Rural com a gartotada e saía a passear pela cidade.
E as inesquecíveis provas hípicas na Carriére Municipal, eram belíssimas. O local era todo adornado com nilhares de hortensias que floresciam á volta do prado onde eram realizadas as provas, além dos ornamentos burlescos próprios do evento em si.
Era montado um pórtico à entrada da cidade, que recebia um séquito de cavaleiros, frenteados pelos Dragões da Guarda da Brigada Militar, seguido pelos cavaleiros dos CTG's.
Os sorvetes eram vendidos em dois lugares: Café Brasil e Café Cacique. À noite de um dos sábados, artistas famosos se apresentavam no Lago do Parque Hotel (Joaquina Rita Bier), junto com um balé da capital. Agnaldo Rayol é um de quem lembro bem. As mocinhas quase despedaçaram as roupas do pobre cantor.
Lá por 1969, começou o Festival de Cinema, como um evento complementar da Festa das Hortênsias. Primeiro foi uma mostras, mas quando se tornou oficial, passou a ser um centro de interesse cultural dos artistas e intelectuais brasileiros, por causa da Ditadura Militar. Nesse tempo, a Censura Federal era temida e odiada, pois eram grupos de civis e militares sem nenhuma formação cultural, que detinham o poder de permitir ou estraçalhar com as manifestações artisticas e culturais da sociedade. O Festival de Cinema era uma espécie de refúgio temporário, pois nesse evento, os filmes ainda não haviam sofrido cortes, e também os próprios artistas aproveitavam o encontro para manifestarem suas bizarrices, como desfilarem nus pelos corredores do hotel, pelas ruas, pelas piscinas da cidade. Ou ainda cometerem mais sandices, como a de um diretor gaúcho que foi apanhado urinando na lareira do Hotel Serra Azul (este mesmo diretor depois foi processado pelo poeta Mário Quintana por ter invadido sua privacidade, que o poeta declarava ser seu apartamento no Hotel Majestic, hoje Casa de Cultura Mário Quintana em Porto Alegre, o "Último refúgio de minha virgindade").
No mesmo período, começaram os coquetéis, desfiles e eventos paralelos, muito concorridos dos festivais (creio que até hoje o são. Não sei mais. Há alguns anos não sou mais convidado para estes eventos. Acho que desde que não aceitei mais escrever programas políticos para um candidato e que fui tornado "persona non grata"). Estes eventos eram patrocinados por grandes empresas, que apresentavam desfiles belissimos e mostravam suas coleções.
Num destes desfiles, acho que da antiga "Casa Massom", de porto alegre. Acho que isso foi já em 1977. Eu era "aspone" da Secretaria de Turismo, e nessa função tinha que trabalhar muito. Era o leva-e-traz oficial do evento e minha tarefa era resolver os incômodos e minuciosos pormenores tecnicos do evento (leia-se: de tudo). Isso me dava certo prestígio também, e era respeitado pela equipe, pois mesmo bastante jovem, nunca me prevaleci da função para pisar em quem quer que fosse. Daí tinha certas regalias também. Pois voltando: nesse desfile, eu estava passando pela porta principal do Hotel e vi dois personagens de nariz colado no vidro da frente, mãos nas costas, olhando com curiosidade, a mesma de um menino pobre diante de uma confeitaria. Fui em direção a eles, saí la fora e perguntei por que não estavam lá dentro assistindo ao desfile. "Porque não fomos convidados", foi a resposta! Não tive a menor dúvida. Me investi de autoridade, fiz uma certa reverência e já abrindo uma porta, com voz e olhar firme para o porteiro respondi: "Pois agora são MEUS convidados!" E entraram sem cerimônia, assistindo á programação. Ninguém me chamou atenção por aquilo, embora tivesse circulado pelos bastidores a tal façanha. Quem eram eles? Horst Volk e Romeu Dutra. Criadores do Festival de Cinema e desafetos políticos dos meus chefes.
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