O Canto das Cigarras
Pacard
Eu era ainda pequeno, muito pequeno. Pés no chão serelepes e sujos, quando corria pelas ruelas empoeiradas e brincava nos potreiros próximos de onde eu morava. Pisava nas rosetas espinhentas, mas até os espinhos faziam parte da brincadeira. Uma parada breve para catar um espinho, uma gotinha de sangue que saía da ferida, dois pulinhos num pé só enquanto a brincadeira avançava e lá estava eu de novo correndo feito pipoca atrás da bola, ou nas brincadeiras de criança à luz do brilho mais intenso do sol de verão.
O perfume das matas climatizava as cores violetas das flores rasteiras do lajeado, acompanhadas dos matizes infinitos dos dourados que ornavam o florescer das tardes dos meus verões. E tudo isso acompanhado por óperas intermináveis de cigarras e pássaros cantores, que se orquestravam harmonicamente entretecendo encantos que se perpetuaram em minhas lembranças.
Até hoje, o canto das cigarras tem gosto de frutas silvestres, cor de grinaldas e cheiro de manacás. Até hoje, o canto do sabiá ao entardecer no fim do verão tem sabor de "amanhã tem mais". Até hoje o cheiro de couve na sopa do anoitecer tem o perfume de minhas tenras primaveras. Até hoje,gritaria de crianças tem sabor de vida em meu recordar perene. Até hoje, o sopro do vento sobre as águas me refresca a vontade de nadar nos açudes de minha infância. Sem medo, sem compromisso, sem hora para chegar. Sem hora para sair. Como deveria ser a vida.
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