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quinta-feira, maio 10, 2012

ENDOMERGES


Endomerges

Pacard

Endomerges acordava todos os dias pontualmente às quatro da manhã. Normal acordar à quatro da manhã, muitos fazem isso. A vida corrida de quem muito trabalha e pouco ganha exige que se levante às quatro da manhã e vá-se dormir à meia noite e tanto. Conheço muitos que fazem isso. Endomerges também fazia. Porém algo diferente acontecia com Endomerges acordava para tomar um chá de maracujá...para dormir. Não, ele não tinha insônia. Precisava de um despertador para cordar pois tinha sono profundo. Acordava, preparava o chá e voltava a dormir.
Endomerges não parava por aí não. Religioso, Endomerges fazia jejum semanal e no fim de um dia inteiro sem comer nem beber nada, tomava um estimulante de apetite. Daí comia. Se empanturrava. E tomava mais um remédio: para perder a fome. Tomava junto das refeições, para não “bater” no estômago vazio.
Já mencionei que Endomerges era religioso. Acreditava que deveria acreditar. E nisso cria, piamente. Era devoto até. Não sabia em que acreditava, daí acreditava que deveria crer para acreditar melhor. Era mais do que crente: era quase fanático. Defendia com unhas e dentes (postiços) a devoção ao crente desconhecido. Tornou-se dizimista até e arrecadava fundos para a construção de uma catedral da crença absoluta. Era, no entanto, uma seita secreta. Ninguém poderia tomar conhecimento disso. Então apenas ele contribuía com ofertas generosas. E as guardava embaixo do colchão.
Discursava em silêncio, apenas movendo os lábios, em lugar discreto e escuro para que não fosse traído por leitores de lábios. Sempre tapava a boca com a mão ao discursar. Uma coisa porém o deixava frustrado: como não falava em voz alta, não conseguia escutar o que era dito e saía das reuniões consigo mesmo sem entende nada. Mas esperançoso que na próxima vez seria ouvido e tambem ouviria.
Endomerges não era infeliz. Pelo contrário. Era um sujeito alegre, extrovertido e simpático. Porém, silencioso. Evitava manifestar sentimentos por expressões para não trair sua intimidade. Nem mesmo olhava para espelhos para evitar se deixar reconhecer por si mesmo. Nunca se sabe com quem estamos abrindo nossos segredos. Endomerges não tinha nenhum segredo, pois doara todos aos pobres. Na verdade um único pobre: ele mesmo. Mas não contava isso a ninguém. Afinal, Endomerges era único.
Ou não?

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