Endomerges
Pacard
Endomerges acordava todos os dias
pontualmente às quatro da manhã. Normal acordar à quatro da manhã,
muitos fazem isso. A vida corrida de quem muito trabalha e pouco
ganha exige que se levante às quatro da manhã e vá-se dormir à
meia noite e tanto. Conheço muitos que fazem isso. Endomerges também
fazia. Porém algo diferente acontecia com Endomerges acordava para
tomar um chá de maracujá...para dormir. Não, ele não tinha
insônia. Precisava de um despertador para cordar pois tinha sono
profundo. Acordava, preparava o chá e voltava a dormir.
Endomerges não parava por aí não.
Religioso, Endomerges fazia jejum semanal e no fim de um dia inteiro
sem comer nem beber nada, tomava um estimulante de apetite. Daí
comia. Se empanturrava. E tomava mais um remédio: para perder a
fome. Tomava junto das refeições, para não “bater” no
estômago vazio.
Já mencionei que Endomerges era
religioso. Acreditava que deveria acreditar. E nisso cria, piamente.
Era devoto até. Não sabia em que acreditava, daí acreditava que
deveria crer para acreditar melhor. Era mais do que crente: era quase
fanático. Defendia com unhas e dentes (postiços) a devoção ao
crente desconhecido. Tornou-se dizimista até e arrecadava fundos
para a construção de uma catedral da crença absoluta. Era, no
entanto, uma seita secreta. Ninguém poderia tomar conhecimento
disso. Então apenas ele contribuía com ofertas generosas. E as
guardava embaixo do colchão.
Discursava em silêncio, apenas movendo
os lábios, em lugar discreto e escuro para que não fosse traído
por leitores de lábios. Sempre tapava a boca com a mão ao
discursar. Uma coisa porém o deixava frustrado: como não falava em
voz alta, não conseguia escutar o que era dito e saía das reuniões
consigo mesmo sem entende nada. Mas esperançoso que na próxima vez
seria ouvido e tambem ouviria.
Endomerges não era infeliz. Pelo
contrário. Era um sujeito alegre, extrovertido e simpático. Porém,
silencioso. Evitava manifestar sentimentos por expressões para não
trair sua intimidade. Nem mesmo olhava para espelhos para evitar se
deixar reconhecer por si mesmo. Nunca se sabe com quem estamos
abrindo nossos segredos. Endomerges não tinha nenhum segredo, pois
doara todos aos pobres. Na verdade um único pobre: ele mesmo. Mas
não contava isso a ninguém. Afinal, Endomerges era único.
Ou não?
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