TEORIA DA CRIATIVIDADE
Paulo Cardoso
1 – O vazio e o objetivo
Somos
cercados pela constante necessidade de inovar coisas, inovar os sonhos, inovar
a vida. Só a mediocridade é capaz de frear nosso movimento em contínua busca do
desconhecido, seja ele estético, prático, físico ou mental e até mesmo
espiritual. Platão afirmava que “tudo
flui”, e nesta fluência constante, nossa inquietude é capaz de nos
transformar a olhos vistos, alguns, ou com serenidade, outros, porém todos nós
somos transformados. O tempo é o maior agente dessa tarefa e não importa o
quanto façamos, seremos modificados até o dia em que nossos passos nos levem
para o repouso. Até lá, indefectivelmente somos mutáveis e mutantes involuntários.
Algumas
pessoas no entanto tendem a se tornarem
agentes e não objeto das mudanças, uns mais e outros menos, moderadamente. E
são estes agentes que proporcionam o movimento
do mundo no que tange ao domínio do homem sobre as coisas que o cercam.
Mesmo nos
fenômenos da Natureza, tem o homem sua participação: no clima, na vegetação, na
composição química do ar que respiramos, no modo com que nos locomovemos, nas coisas
que ingerimos e em consequência disso, com nosso bem estar físico, mental ou
espiritual. São as decisões de transformação do homem que o faz plantar certo
tanto para que colha outro tanto a mais, ou buscar meios que se plante menos e colha
muito mais que antes. Descobre e produz veículos que nos levem mais rápido para
chegarmos antes a lugares que nunca imaginávamos poder ir, mesmo que com isso
percamos a oportunidade de apreciar a paisagem e sentir os perfumes do caminho.
Mas isso já é outro assunto. Importa aqui saber que tem o homem, que temos nós
este poder de transformar o que foi criado, dar novas formas, multiplicar,
reduzir, acoplar, rebaixar, levantar, reforçar, enfraquecer as coisas e por
este meio nos tornarmos participantes cooperadores do processo criativo de D’us.
“Façamos o homem à Nossa imagem e semelhança”,
diz-nos respeito à inteligência, ao Livre Arbítrio e à capacidade de ver além
do nos mostram nossos olhos. Reconhecendo
que somos feitos à imagem e semelhança de D’us, nos capacita a caminhar e criar aquilo que seja aceitável, possível e
necessário. É aqui que encontramos o Design, como instrumento de modificação e
aprimoramento das coisas que tornam o mundo aceitável enquanto mundo presente.
É tarefa
de o designer fazer uma leitura permanente do mundo que o cerca e
incessantemente buscar soluções que
tornem o mundo um pouco melhor. Não temos a competência de “salvar o planeta”,
como querem muitos e acreditam alguns, mas temos a capacidade de tornar
suportável e dar qualidade de vida aos que vivem no mundo, começando por
aqueles que vivem junto de nós. É objetivo
de o designer realizar aquilo que não conseguiram os alquimistas malucos que
sonhavam transformar chumbo em ouro por meio de conjurações estapafúrdias, mas
por meio de pequenas modificações simples do cotidiano, possam tornar melhor o
jeito de ser e viver das pessoas.
A Torá,
composição dos cinco livros de Moisés, tem em seu corpo literário, alguns
espaços vazios entre uma palavra e outra, em determinados trechos. Estes vazios
são um mistério para os estudiosos, que creem serem estas lacunas um compêndio
de mistérios que D’us os fará conhecer nos dias que antecedem à vinda do Messias.
Semelhante aos vazios da Torá, nossa vida é repleta de vazios que podem ser
preenchidos pela imaginação criadora do designer em sua missão de desvendar
mistérios em cada página em branco de sua prancheta de trabalho.
2 – Observando o inusitado
Tenho
ministrado cursos em diferentes lugares do Brasil eu fico surpreso com a
capacidade criativa das pessoas que encontro. Porém, elas não sabem disso e é
necessário um trabalho de “desconstrução” de preconceitos sobre criatividade nas
primeiras horas de curso, para que possam descobrir que criar, buscar ideias,
não é um “dom de poucos iluminados”,
mas uma possibilidade de todos os que conseguem se desamarrar do velho conceito
que afirma: “criar é para malucos”.
Certo
dia, Jesus caminhava com seus discípulos e encontraram um homem que era cego
desde seu nascimento. Tendo sido chamado pelo homem e solicitado que o curasse,
Jesus não teceu nenhum discurso, não fez descer fogo do céu, nem fez nada que
parecesse manifestar Seu poder como O Messias. Apenas se abaixou, recolheu um
pouco de terra com a mão, cuspiu sobre ela, amassou e usando esta lama incomum,
aplicou sobre os olhos do cego. Pouco
depois, tendo a lama secada, caíram duas cascas, como se fossem escamas dos
olhos daquele homem, que imediatamente, passou a ver.
Somos
semelhantes àquele homem. Nascemos livres e esta liberdade nos permite
balbuciar o que gostaríamos de dizer, rir daquilo que não compreendemos e
chorar diante das coisas que não concordamos. Somos espontâneos. Livres. O
amadurecimento, no entanto, gera obrigações e restrições pontuadas pelas regras
que nos são impostas. Ao pronunciarmos as palavras, não o fazemos como fazem os
adultos, corretamente, mas como é próprio dos bebês, usamos uma linguagem
simplificada, cheia de dislalias, trocamos as letras, acentuamos ou cortamos
sílabas e desta forma nos comunicamos. No princípio, os adultos fazem um esforço
excepcional para nos compreenderem. Porém, à medida que o tempo passa, se
aborrecem disso e nos forçam a que falemos do seu jeito. São as dores do crescimento.
Comunicamo-nos melhor. Fazemo-nos compreender melhor, porém, assumimos também a
identidade social e perdemos nossa identidade nativa. Perdemos a
espontaneidade. Deixamos de ser criativos para nos tornarmos iniciados.
Abandonamos e nos distanciamos da genialidade criadora para nos integrarmos à
mediocridade copiadora. Tornamo-nos preguiçosos em criatividade, porque já há
tantas coisas preestabelecidas, tantos padrões à nossa volta, que se torna mais
confortável que prossigamos no vácuo desta inércia criada, a frearmos o passo,
olharmos à volta e criarmos nossas próprias respostas aos vazios que
percebemos.
Nosso
mimetismo se dá exatamente pela observação do que nos impressiona ( para o bem
ou para o mal) e na repetição orquestrada daquilo que nos facilita a
comunicação e o viver, o nosso deslocamento no meio. Por exemplo: a criança vê a mãe limpando a casa. Em pouco
tempo ela estará com um pauzinho ou um objeto qualquer que tenha vaga
semelhança com os instrumentos de limpeza da mãe, empregados aqui e ali. Neste
processo, mesmo imitando o que viu, ela cria artifícios para que se objeto real
se torne o utilitário imaginário semelhante ao que a mãe emprega em sua tarefa
e assim, do seu jeito, ele sintetiza a adaptação, que nada mais é do que a
recriação ou releitura de sua percepção sobre as coisas presentes.
Penso que
nascemos criadores e não somos acomodados nem mesmo nas primeiras horas do dia. Somos criadores extrovertidos
até o ponto em que as demais criações nos sufoquem e nos intimidem, nos
tornando críticos e tímidos demais para nos denominarmos assistentes de D’us na
continuidade da criação. Uma prova disso é a sequencia matemática de Fibonacci,
que começa em passos que até um bebê pode dar: 1, 1, 2, 3, 5..., mas em
determinado ponto da vida são equações astronômicas e incalculáveis, nos
mostrando que mesmo que andemos um passo, sempre teremos outro mais à frente,
conectado com nosso passo atrás.
2 – A Criatividade natural e o contra senso
da educação
Desenhar
é um dos componentes do Design, é sabido por todos. Uma criança desenha com naturalidade até os
oito anos, aproximadamente. E com facilidade podemos compreender o significado
de suas grafias. Traços simples, sem preocupação estética, antes, tem o
propósito de comunicar um conjunto de percepções alusivas ao seu pensamento,
aos seus sonhos, medos, inclinações afetivas ou simplesmente descrever o ambiente.
A partir disso, começa a se tornar crítica com os traços, as cores, as
semelhanças. Toma os adultos que, por alguma razão ou coincidência desenham (em
seu conceito) melhor que ela. Passa então a competir e nessa competição
desnecessária, vê-se encurralada entre aquilo que demonstra seu espírito e
aquilo que deve ser exposto, com o grau
de perfeição exigida, em seu entender, em paralelo com o que lhe é também
exigido quanto a comportamento, linguagem, postura social e outros parâmetros
que a encaminham ao modo adulto de ser. Mudar isso significa deixar sua zona de
conforto, pois naquele momento já percebeu também que desenhar e criar, são
atividades relacionadas ao lazer e não às necessidades premente da vida, o que
já começa a entender (falar correto, respeitar os mais velhos, cumprir horário,
etc.) Aqui entendo como “zona de conforto”
a atitude de perceber cumplicidade
quando se define como “incapaz de desenhar, tanger instrumento musical ou
exercer qualquer atividade ligada ao intelecto criativo, menos cartesiano”, sua
determinação em desistir do processo criativo, assegurada da crença que “criar
é pra doido” e isso lhe permite ser omissa em tais processos, com anuência dos
protetores.
Esta
visão medieval ainda, infelizmente, determina o cotidiano das pessoas em sua
ampla maioria e é aqui que a “Teoria da Criatividade” (TC), se torna a “Teoria
da capacidade relativa”, isto é, assegura que tal como a definição de espaço e
tempo de Einstein associados consegue formatar a existência das coisas, a TC determina a libertação
destes paradigmas e faz uma catarse criativa, como uma limpeza de dutos por
preenchimento de líquidos purgativos, destrava novamente o processo criativo.
Não é
necessário ser criança na idade, mas é necessário ter a pureza criativa de uma
criança, tal como desenhou Jesus, a necessidade também de uma catarse
espiritual de purificação para que voltasse o homem maduro à pureza original de
um pequenino. É desta forma que buscamos a interação entre o educando e o
propósito, não focando no fim como um meio, mas no princípio como um fim. Sem
uma revisão crítica no ambiente racional não é possível esta catarse.
O
processo criativo é bem mais que ensinar e aprender a “fazer coisas” ou “criar
coisas”, mas fundamentalmente um meio de libertação das amarras criticistas e
contextuais, encaminhando para uma varredura na forma, dando surgimento não
mais à forma, a regra, mas à continuidade. Não se trata de um anarquismo, mas
de um retorno ao princípio criador, princípio gerador de inovação, sobretudo de
expressão, de continuidade da expressão
dos sentidos aliados às necessidades exteriores, de valor extrínseco ao
indivíduo. Aquilo que em criança demonstrava em duas ou três dimensões com as
mãos as coisas que não tinha capacidade neurológica para expressar em palavras nesta fase, a
criança montava em massinha de modelar, desenhava e coloria num papel de pão e
assim comunicava sua vontade. A imagem falava pelas mil palavras necessárias à
comunicação. Torna-se aqui então o objeto um veículo de comunicação, mais do
que uma expressão estética. Aqui a diferença então entre o estado adulto e
aquele manifesto em criança: enquanto a criança manifesta sensações pelo traço
e objeto, caminha com as sandálias da arte. Na fase adulta, o objeto é o meio
de expressão aliado ao que aprendeu neste amadurecimento, onde tudo deveria ter
um sentido, uma função, suprir uma necessidade. Não é certo nem errado
encontrar uma qualificação para este objetivo, mas apenas uma constatação e
esta constatação é o ponto de apoio para que a alavanca das necessidades
humanas possa mover o mundo enclausurado numa mente criativa.
3 – Coletar e armazenar ideias.
PacardO primeiro engano de domínio público é aquele que o designer “tem” idéias e que precisa de “inspiração” para criar. Posso afirmar com segurança que nenhuma inspiração é necessária para a produção de criações, de inovação, assim como muitas vezes a própria inspiração, da forma que conhecemos, pode atrapalhar no processo criativo, pois devem ser consideradas todas as variáveis que orquestram a geração de um design. Design pressupõe um foco criativo orientado a um propósito específico: gerar um produto seja em ele em duas ou três dimensões. Seja ele gráfico impresso ou virtual, será ainda assim um produto, cujo propósito seja comunicar ou proporcionar conforto ergonômico, estético e funcional ao objeto proposto.
Desta forma, não pode o designer deitar-se numa rede à sombra e esperar que uma luz transcendente o inspire e tal como um visionário, gere um espasmo de genialidade absoluta. Quando isso ocorre, não posso acreditar que foi simplesmente uma ideia fortuita, sem que a precedesse um incansável cordel de pensamentos, de pesquisas, um “brieffing” de necessidades do cliente, com um “check-list” imenso à frente e uma vontade enorme de gerar algo que promova melhor qualidade de vida ao seu usuário.
O processo criativo pressupõe o encontro de necessidades entre o criador e o consumidor, tendo como elo o produto que, de um lado, atende às necessidades de quem o adquire, e de outro lado, promove a manutenção e gera riqueza à quem o produz, não apenas ao proprietário da indústria que tem seu merecido lucro, como também gera riqueza social, com empregos, impostos, distribuindo esta riqueza na comunidade onde esteja instalada sua companhia. Tendo essa premissa, o design cumpre um dos mais importantes laços da cadeia produtiva e social. Deve, portanto ser visto sob este prisma o meio criativo e não como mero capricho do departamento de marketing ou de criação.
Há, no entanto um hiato existencial entre um departamento industrial e um bureau de criação. Aparentemente não há assimilação entre ambos, pois enquanto o primeiro, pressupõe a “seriedade” sisuda do barulho de máquinas e homens e mulheres atarefados em cumprir metas de qualidade e produtividade, no outro lado está um ambiente extrovertido, democrático, multicolorido, emaranhado de “malucos” filosofando sobre conceitos, forma e função, matizes cromáticos, ergonomia, usabilidade, “amigabilidade” e uma infinidade de termos que jamais serão mencionados no processo produtivo e muito menos ainda dentro da casa do consumidor, que no máximo dirá que é confortável ou desconfortável, cara ou barata, feia ou bonita, e nada mais.
No entanto este entrelaçado de caminhos e etapas é importante tanto para o processo criativo quanto para o produtivo e para o consumidor, objetivo maior de toda criação e produção, porque é no processo criativo que são exaustivamente debatidas todas as nuances e todos os detalhes que irão permitir que haja fluência na fábrica, giro rápido na loja e finalmente cumpra sua função dentro da casa do consumidor. Este ciclo então não pode estar afeto aos delírios de visionários que esperam luzes no horizonte para que possam criar. O produto só pode, por estas singularidades, brotar de um diligente trabalho de pesquisa, avaliação e testes com rigor científico e empacotando este complexo mecânico e cartesiano, o senso estético e inovador proveniente da genialidade acoplada à dedicação e experimentação contínua do criador, o nada maluco designer.
4 – O Design como transformador social
Pouco
se vê o design como modificador de estruturas da sociedade. Ao contrário disso,
o design é conceituado no imaginário popular como um “enfeite necessário ao
produto” objetivando promover crescimento nas vendas, e o consumidor, por seu
lado, faz uma leitura mais individualista do produto. Gosta ou deixa de gostar.
É confortável ou desconfortável. Exótico ou inovador. Sempre agrega, na opinião dos fabricantes, que não deixa de
fazer sentido, porque ele é “sua majestade” o consumidor. Porém não há um
conceito de real utilidade quanto à inovação. Até mesmo na denominação técnica,
a “inovação” é chamada de “tendência”, “moda” “valor agregado”, mas sempre como
um adjetivo, um aditivo que possa “dourar a pílula” e fazer presença nas vitrines.
Umas coisas eu tenho percebido ao
longo dos anos no meio industrial: em larga escala, no mercado da classe média
baixa, e que representa a grande fatia de consumo brasileiro, o design em si
pouco agrega às vendas em grande volume, mas o motivo é bem fácil de entender:
Não é uma tarefa simples nem barata a transição de estilos, de tendências
dentro do segmento C e D. Mesmo B há certos limites para a inovação. Trocar o
desenho de uma grande indústria pressupõe uma imensa transição interna e
externa, começando pela matéria prima, escolhendo novos fornecedores, testando
qualidade dos materiais, recebendo relatórios de análises quando é o caso de
utilitários com normas ergonômicas e funcionais, testes de resistência e
segurança no tocante à mobiliário infantil ( que por si mesmo já é um capítulo
à parte no mobiliário. Ninguém quer fazer, ninguém quer vender e ninguém quer
comprar).
Trocar um produto de linha significa
trocar, em muitos casos, de equipamento, da planta industrial, de novos
produtos químicos, de novos cursos de capacitação da equipe. Este é outro problema:
as indústrias não gostam de investir em capacitação, porque assim que o
funcionário se sentir mais bem treinado, ele pede aumento ou acaba sendo levado
pelo concorrente, ou outro expoente disso: os funcionários não gostam de
inovação, porque têm medo de não darem conta de aprenderem o novo jeito de
trabalhar e se tornarem dispensáveis à empresa. Muitos acabam, com isso, até
mesmo boicotando o trabalho de inovação. Não foram poucos os casos que tive
nestas circunstâncias.
O
“novo” assusta. O “novo” intimida, porque pressupõe que tudo aquilo que você fez
até aquele momento tenha sido errado e que a partir desta nova situação você
encontrou o “paraíso perdido”. Não é assim que acontece, mas muitos profissionais
se vendem com esta imagem, de “libertadores”.
Do lado do empresário não é diferente, porque por consenso de técnico de
futebol medíocre, “em time que está
ganhando, não se mexe”. Mas é claro que se mexe sim. Não entendo nada de
futebol, mas a realidade está abarrotada de exemplos de pessoas que não
quiseram mudar no momento oportuno, nem no momento necessário, acabaram por
tentar mudar no momento de desespero. Inovar não pressupõe apenas mudar
radicalmente as coisas estabelecidas, mas permitir que haja fluência no
processo criativo e quando falo em “processo criativo”, estou necessariamente
falando de pessoas. Fábricas não inovam. Máquinas não inovam. Escritórios ou
corporações não inovam. Quem inova são as pessoas. Sempre. Isso não se resume ao
setor de móveis, nem à decoração e nem mesmo ao design. Inovação é uma
constante da existência humana, da necessidade do ser humano de experimentar,
de buscar uma visão de outro ângulo do problema, ou da solução do problema.
Durante
o período em que tento mostrar aos meus alunos o processo criativo, eu peço que
cada um desenhe uma árvore, livremente. Ao término da tarefa, percebo que a
totalidade dos alunos desenhou uma árvore olhando do mesmo ponto de observação:
de baixo. Nunca encontrei alguém que
desenhasse uma árvore vista de cima. Depois que explico o dilema, é que todos
se dão por conta que poderiam ter feito isso. O dilema do “ovo de Colombo”. A
síntese da aula é mostrar que criar não é difícil. Inovar não é difícil. É
apenas mostrar uma solução, tendo como ponto de partida o mesmo problema, mas
por outro ângulo. Um ângulo inusitado.
Desta forma, o criador, o inovador é antes de tudo um “revolucionário”.
Aquele que não tiver coragem de criar uma revolução com suas ideias, com seu
trabalho, com suas soluções, não serve para ser designer.
Criação
é um negócio, um empreendimento como outro, mas não qualquer, porque a grande
maioria dos empreendimentos, das profissões, dos negócios, tem metas e padrões
definidos. Existem até mesmo Leis que regulamentam o exercício destas
atividades. Existem valores preestabelecidos que permitem que tenham tabelas a
seguir. Há modelos de formatação da gestão destes empreendimentos que podem ser
modeladores e em qualquer parte do mundo, resguardados os valores culturais e
nacionais, mantém o mesmo formato. Uma roda é uma roda sempre. Ela pode ser
orientada a servir a um automóvel, ou a um prato ou outro objetivo qualquer.
Mas será sempre uma roda, um círculo em três dimensões, que pode ter um
comparativo de qualidade, dureza, valor e preço de venda. Mas uma criação não.
Ninguém abre um livro de regras para criar algo. Ninguém calcula nada para
criar algo. Nenhum criador consulta planilhas do governo para criar algo. Ele
simplesmente cria. Depois de criado, o objeto, o empreendimento deverá ser formatado
para atingir seus objetivos. Poderá ser moldado às regras, Leis ou valores
desejados ou propostos. Mas aí já foi criado. Isso é criação. Chegar ao tudo partindo
do nada.
O
tema deste tópico está implícito nesse contexto onde busquei demonstrar que, se
de um lado, a criação como negócio inserido nas corporações já estabelecidas
não obtenha o valor que lhe seja devido, de outro lado, temos incontáveis
modelos testados e aprovados através, e principalmente do trabalho de
Organizações Não Governamentais (ONGs).
Há também, excelentes resultados obtidos por projetos do SEBRAE ou
projetos de instituições educativas, que trabalham com comunidades carentes,
comunidades ribeirinhas, até mesmo dentro do sistema prisional, onde os
apenados trocam dias de trabalho por redução de pena. Enfim, há uma grande
quantidade de projetos que só permitiu-se um bom retorno porque se juntou a
criatividade inata a muitas populações, culturas ou comunidades. Neste particular,
o Brasil é riquíssimo. Tenho visitado o interior do país através de minhas
consultorias e busco sempre, nestas oportunidades, visitar os arredores das
cidades onde estejam localizadas as fábricas em busca de amostras da cultura
local, porque meu trabalho tem um vetor direcionado ao “fator local” (expressão
criada por tese de Mestrado de meu amigo Jorge Montaña), onde procuro sorver e
agregar elementos desta cultura e criatividade locais aos produtos que crio, ou
aos projetos onde participo como educador. Cada viagem é uma descoberta que por
si só, permitiria trabalhar por anos a fio apenas agregando um viés industrial
ao rico artesanato regional. Neste caso, a criatividade inata não é suficiente,
pois ela não gera riquezas. Aqui eu traço
uma linha divisória entre, ser criativo no âmbito daquilo que faz porque faz
bem feito e mantém os padrões já outrora criados, e seja esta uma das variáveis
de manutenção cultural daquela região, e ser criativo em reconhecer aqueles
valores e integrá-los ao produto em série e permitir que mais pessoas tenham
acesso àquele valor ou bem regional. Neste caso há dois valores de criatividade
distintos, que devem ser considerados, porque não posso considerar apenas
criativo o designer, o artesão, o artista que desenvolveu seu talento e é
criativo naquilo que faz, mas tenho que me relacionar com o mesmo entusiasmo ao
criativo empreendedor que viu naquele valor um valor a ser multiplicado.
Dou
exemplo disso: em 1989, ao retornar de uma feira em Milão, dei a uma empresa um
folder contendo um conjunto de peças de determinado estilo. Vi naquilo apenas
uma informação dentro de um contexto dentro do cenário de informações que
desejariam obter de mim naquele momento. Não fui criativo nem eram criativos os
modelos que entreguei, porque eram clássicos apenas. Criativa foi a pessoa que
viu naquele estilo de produto uma oportunidade e a transformou num negócio de
milhões nos anos que se seguiram. Segue-se daí que a criatividade é uma esfera
com muitas possibilidades em uma sequência de faces sem inicio e sem fim, que
se mostra melhor de acordo com o posicionamento da luz em seus hemisférios.
5 – Os caminhos do design como profissão
Karim Rachid diz que as pessoas não sabem definir o que é
design, porque confundem o fato de desenharem uma releitura de um castiçal do
século 17 com design e ele sentencia que isso é “stylling! E não design. Rachid
ainda ataca esta miscelânea de profissões que de um dia para outro simplesmente
foram transformadas em “design”. Um
pizzaiolo criativo de tornou um “pizza designer”. Um cabeleireiro é hoje um “hair
designer”. Um confeiteiro é um “cake designer” e assim por diante. Karim diz ainda que hoje 99% do que o setor
de moda faz é “stylling” e não design, porque design pressupõe alterar
costumes, andar pra frente. “A mulher de hoje precisa de bolso para o
smartphone, o que uma roupa channel não prevê, então redesenhar uma função,
isso é design. O que passar disso, é “stylling”.
Eu não quero ser tão radical quanto à
escolha da definição profissional, pois a primeira premissa para o designer é a
quebra de paradigmas, de preconceitos e no momento em que eu cercear alguém de
se definir nesta ou naquela escolha de sua própria profissão, estarei abrindo
caminho para que façam o mesmo comigo. Claro que deveria ser assim do outro
lado da mesa então. Eu poderia me intitular “arquiteto”, porque eventualmente
desenho uma casa, ou “medico”, porque recomendo a um amigo que sofre de azia,
que tome suco de limão com água. Poderia me declarar “taxista”, levo um amigo
de carona no meu carro, enfim, são tantas vezes que damos opinião, prestamos
algum serviço eventual que, de outro modo, seria invasão profissional a outras
pessoas. Claro, que isso acontecendo com certa regularidade e a partir do
momento em que eu cobre por isso, ou estabeleça um patamar de submissão de
outras pessoas diante de minha graduação, mesmo que não seja naquilo que
estou opinando, eu estarei
desrespeitando a Lei e invadindo o espaço de domínio profissional de outras
categorias.
Mas
não é isso que fazem com o design? Não é nisso que transformam qualquer ato de
criatividade (ou de aberração) estética imediatamente em “design”? Não somos
confundidos com arquitetos, quando fazemos interiores? Não somos denunciados
aos Conselhos de Arquitetura e Engenharia, quando uma placa com nosso nome e
endereço aparecem numa obra onde se suspeita que tenhamos feito mais do que
apenas pendurar cortinas e deslocar o sofá para mais perto da janela? Mas e por
que o contrário não acontece? Por que esta submissão tão dócil quando somos
invadidos por profissionais apócrifos todos os dias e nos calamos? E pior que
isso tudo ainda é nos calar quando nos chamam de “artistas”. Aliás, tem
designer que pensa que é artista. Tem produtos que são excelentes para vencer
exposições de arte, mas depois que saem de lá, a tarefa mais difícil é
encontrar alguma utilidade para aquelas traquitanas.
Temos
que legalizar o design com urgência, o que graças à D’us e ao Deputado Penna (PV,
SP) que foi sensível aos apelos dos designers e fez votar na Câmara (por
enquanto em suas comissões internas) a Lei que regulamenta a profissão de
designer. Já existe junto ao MEC, mas é invisível junto ao MT. Perante a
legislação trabalhista, um designer é ilegal. Uma meretriz não. Porém, mais
urgente do que legalizar, regulamentar, frear abusos, é compreender o que é de
fato o design. Tirar o design do meio
acadêmico, do meio intelectual, da grandes corporações, do setor de publicidade
e seus correlatos, e leva-lo ao público. Levar o que é o design, como o design
interfere na vida das pessoas desde a mais tenra infância, dentro das escolas,
dentro das comunidades, sejam elas carentes ou não e permitir que o design
deixe de ser aquela profissão dos sonhos, que dá certo status, e passe a ser um
produto de consumo cultural acima de tudo.
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