Uma Paixão
Pacard
"Fêz-se o ocaso de sua paixão. E como ele era todo paixão, sublimou-se no entardecer."
Conto
Pacard
-Onde vai no fim de semana? Era uma pergunta simples. Corriqueira. Quase esquecida, não fosse a resposta:
-Vou à praia, respondeu ela docemente.
Natural, era verão. Todos, ou quem pode, vai à praia.
-Com quem? Família toda?
-Com uma amiga.
Ele não perdeu oportunidade para uma natural gracinha:
- Ah que vontade de ir à praia. (nem era tanta assim. Mas puxava assunto. Ganhava minutos na presença dela).
- Porque não vai comigo? perguntou com candura.
Ele estremeceu, e continuou:
-E o que teria eu de bom na praia?
-Teria minha companhia, ela respondeu.
Ela se despediu dizendo: "te adoro muitão".
Não havia mais coração dentro dele. Havia, mas não era mais o mesmo. Disparou. O que um homem de cabelos grisalhos poderia fazer com a informação que uma menina de vinte anos o convidara para acompanhá-la num fim de semana na praia?
Ele tinha mulher e filhos. Ela tinha a juventude ao seu encalço. Ele era experiente e cansado. Ela tinha o brilho no olhar que ele não via mais desde muito tempo atrás.
Ela era pura e casta. Ele era um andarilho da vida. Homem bom, honesto, trabalhador, pai exemplar. Era medianamente feliz. Perambulava pela vida sem se fazer notar, embora buscasse ser notado o tempo todo. E ela o notou. Esse foi o seu mal. Por alguns momentos, ela percebeu sua presença. E ele percebeu isso. E por causa disso, desejou viver. Desejou ser mais intenso. desejou intensamente sua juventude. Desejou intensamente que ela lhe emprestasse juventude. Ele a amou com toda a profundidade do seu coração. Jogou sua âncora na profundidade de suas águas cheias de mistério. Quis navegar em suas brumas. Mas seu leme não era firme. Seu norte se perdeu. As águas tragaram sua nau.
Seus dias agora percorriam o caminho oposto ao ocaso, mas o ocaso é bem mais velho, bem maior. E com a mesma intensidade que veio, o brilho deste sol se foi. Súbito como a morte. Certeiro como as águas que correm para o mar. Era sabido. Mas não era desejado.
Serenamente, o ocaso veio. Tornou-se seu algoz. Tênuamente desaparecia no horizonte (aquele lugar mais além, tão imaginado, mas impossível) brumado pelo rubro entardecer, abraçado pela noite, seu devaneio .Fêz-se o ocaso de sua paixão. E como ele era todo paixão, sublimou-se no entardecer. O sonho acabou.
Voltou ele ao seu mundo. Ao seu monastério. Não mais se ouviu dele falar. Tornou-se um mistério. No entanto, muitos o ouvem chorar sempre ao entardecer. Um choro silencioso. Um silêncio doído, sufocado pelo anoitecer.
A noite o serenizou.
Um comentário:
Isso é belo, daquele tipo de beleza que dói.
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