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Tendências e Empreendedorismo - Gramado como Modelo Palestra

terça-feira, novembro 23, 2004

Nem anjos e nem demônios
Pacard
Tenho conversado com colegas designers do setor moveleiro, seja no encontro de Curitiba, seja pela internet, ou pessoalmente, e depois das cordiais apresentações e tapinhas nas costas,a pergunta: “Como está de trabalho?”. A resposta é quase unânime, e se não isso, caminha nessa direção: “um ano muito difícil”.
Mas não é preciso ser designer para dar essa resposta, basta ser brasileiro e isso sai ao natural.
Falemos então de design, de móveis.
Design é na cadeia de necessidades da industria moveleira, de acordo com o pensamento “clássico”, o topo da pirâmide, e os investimento nessa área, não passa de disponibilidade ou sobra que permita o “status” para campanhas publicitárias ou institucionais. Naturalmente há exceções, mas via de regra, em crise ou aperto, o primeiro corte é no topo da pirâmide, ou seja: nós!
Mas por que isso ocorre? Por que o designer anda sempre com o coração na mão? Por que não é comum que um designer dê continuidade a um trabalho numa empresa até atingir o padrão de qualidade desejada e com isso projetar seu talento e promover o acréscimo nas vendas, garantindo empregos e crescimento econômico e social? Por que há resistência (e muita) à inovação? E quem é o responsável por promover ou frear a mão do designer no processo de criação?
São muitas perguntas, e para respondê-las é necessário que entremos numa questão importante: O DESIGN BRASIL. Afinal, o que é o tão falado “DESIGN BRASIL“?
O nome assim o diz: é prover uma identidade ao que se desenha para a industria . Mergulhar na essência da alma brasileira . Colocar a luminosidade, a alegria, a espontaneidade e a pureza dos valores da nossa terra no armário, na cristaleira, na cadeira, na mesa e principalmente na cama . Mas não é só isso. É mais. Falar em "Design Brasil" é dar a quem cria a liberdade de dizer o que o Brasil tem de melhor. Pelo menos em teoria, porque na prática não é o que acontece.
Vou aos fatos: o primeiro diz respeito ao corte de design em crise. Nada mais natural que quando o céu escurece, primeiro se procure a direção de casa, a segurança. No caso do setor moveleiro, o porto seguro sempre será o patrimônio mensurável: aquele que pode ser pesado, medido, embalado e estocado. Idéias são virgulas, e virgulas jamais serão pontos. No máximo, reticências. Preocupar-se com a cobertura do bolo antes do recheio é o que parece mover a opinião do empresário a descartar investimentos em idéias (além do que, copiar é tão mais fácil), até que a tempestade se acalme. Vento pela cauda, é o que se espera de investimentos em idéias enquanto há uma turbulência lá fora.
Enquanto isso, o designer tem que ir cantar noutra freguesia. Garimpar noutro rio. E até fazer outras coisas para pagar as contas e colocar pão à mesa.
Mas por que não há continuidade? Será incompetência do designer, que foi incapaz de criar algo que agradasse ao consumidor e provesse lucros à empresa?
Vamos pensar assim: há muitas maneiras de se prestar serviços a uma empresa. A segunda é na condição de liberdade e independência. O profissional é contratado por uma tarefa determinada, cumpre seu contrato e vai embora. Poderá ou não ser chamado depois. A primeira (eu inverti a ordem de propósito) é a mais cômoda: tornar-se empregado e prestar exclusividade à determinada empresa, por tempo indeterminado. Coleira. Prático, permite em muitos casos que o profissional trabalhe livre, crie, evolua, faça laboratório, enfim, exerça suas habilidades e evolua seus talentos. As vantagens estão na estabilidade econômica e principalmente nas possibilidades de acompanhamento de feiras e cursos no Brasil e no exterior.
A desvantagem desse sistema é uma só: o designer não assina seus trabalho. A assinatura é da empresa. E aí está o primeiro absurdo: Design é criação: Criação não é repetição, mas vem da alma, da experimentação, da busca pelo inusitado, da quebra de paradigmas, da exploração do desconhecido, e disso a transformação em objeto dos desejos, que poderá tornar-se um clássico ou não. Isso é o que menos importa. O que importa é que ali houve uma parte da essência divina, pois a capacidade de criar e de questionar é o que nos aproxima do Criador, quando exercemos o nosso livre arbítrio.
E ao que me conste, uma empresa não foi criada à imagem e semelhança de Deus. O homem sim. O designer é um homem (antropológico). Portanto é ele quem deve assinar pela criação do produto. E isso já acontece na industria quimica, na engenharia, na medicina, no direito, no jornalismo, menos no design. A lei não permite que o responsável pela farmácia seja o dono, exceto que seja ele um farmaceutico. Nem permite a lei que a farmácia, como corpo jurídico, assine por si mesma. Seria como se o vaso pulasse da mão do oleiro e se completasse sozinho. Seria um homem, se não chegasse a ser um deus se isso acontecesse. Mas um vaso é apenas um vaso. E uma empresa, por maior que seja, será uma empresa. Mas um designer é muito mais, pois é um criador.
Mas ainda não respondi: por que a falta de continuidade? Serei objetivo agora: Há passos no design:
1 - Contratar o designer
2 - Criar
3 - Confiar no que foi criado, avaliada a experiência ou capacidade do profissional sugerido
4 -Lançar ao publico (lojista) para que este decida o que vai comprar (naturalmente no processo de criação há o acompanhamento da produção e produtividade, embora isso seja tema para outro artigo).
5 - Descarte dos produtos não aprovados e ajuste dos que necessitem para a produção seriada.
Mas o que acontece:
1 -Contratar o designer
2 -Determinar o que o designer vai criar, entupindo-o de fotos, recortes de revistas, e os próprios produtos
3 - Desconfiar sempre dos conhecimentos daquele sujeito "esquisito" que quer botar abaixo tudo o que já foi feito, e manter um pé atrás quanto ao que for produzir.
4 - Chamar os representantes para que "ajudem" a escolher os novos produtos.
Como avalio este processo:
Ao contratar o profissional, seu curriculo e sua apresentação já deverão ser avaliados antes da assinatura do contrato.
A postura do profissional, se é comprometido com o acompanhamento da prototipagem; se oferece respostas convincentes sobre seu trabalho e se conhece o perfil do consumidor a que se destina o trabalho proposto.
Uma conversa franca com o profissional e uma vistoria às instalações permitirão que o designer faça seu próprio diagnóstico do que vai encontrar e como vai proceder em sua linha de atuação naquela empresa. Design é personalizado. Sempre. Então uma empresa é diferente da outra e deve ser tratada como tal. Deve ser respeitada sua individualidade. Por ambas as partes.
Quanto aos representantes, serei odiado pela classe, indispensável ao sangue que circula nas veias do país. Homens de frente e incansáveis embaixadores das industrias junto aos temíveis compradores, e conhecedores profundos dos chás-de-banco tão normais nessa profissão.
Mas nem sempre, e na maioria das vezes, temíveis e paradoxais freios-de-mão da inovação. Paradoxal porque estão sempre exigindo novidades. De outro lado, porque quando se defrontam com o que é realmente novidade, e que tais novidades não as têm visto nas lojas de seus clientes, nem de sua empresa, nem da concorrência, puxam o freio de mão e optam por não mudar o que já vem dando certo. E estão certíssimos nisso. Em time que ganha, etc..
Menos numa coisa: não se mexe em time que está ganhando (alguém tinha que dizer isso ao Grêmio, que eles PODEM E DEVEM MEXER naquele time).
Mas e quem disse que é para mexer na coleção que está vendendo? Eu não ! Jamais faria isso. A coleção de produtos que está vendendo, deve continuar vendendo. Mas um dia ela vai parar de vender, porque todos vão querer produzir a mesma coleção (ou estão esquecendo dos que copiam tudo o que dá certo?). E quem produz depois, em geral produz mais barato, sonega impostos, faz qualquer coisa para desafogar o estoque. E faz. São os aventureiros. Não têm compromisso social, não têm preocupação com os empregos instáveis que geram e nem o terão jamais. Numa virada de vento, fecham as portas e investem em águas mais tranquilas: galinha caipira, talvez. Ou imóveis. Ou o que der melhor e mais rápido.
São os primeiros a falar mal do governo, dos impostos (verdade, se colocassem em dia o que já sonegaram, seria um caos),e principalmente dos empregados, que na opinião destes (maus empresários) são uns "chupins", não se importam com a empresa, que numa crise abandonam o barco, e blablablá. Devolvem com a mesma moeda.
E o pobre do designer, esse nem se fala. Ai dele que apareça numa empresa numa época de crise. E se estiver de carro novo, pior ainda. E se estiver bem vestido, então é um esnobe. E "nunca", "jamais, que dinheirinho suado vá parar nas mãos desses "artistas malucos", que "querem mudar tudo". E assim caminha a humanidade.
Qual o caminho do equilibrio?
1 - Ouvir o consumidor
2 - Ouvir o lojista
3 - Permitir ou exigir do designer que faça também esse caminho
4 - Permitir que o designer crie
5 - Analisar o processo produtivo, custos, e apostar no trabalho, levando a maior quantidade possivel de produtos para as feiras
6 - Deixar que o mercado selecione o que deseja comprar.
Este ainda não é o caminho da felicidade suprema. Mas aponta na direção.
Concluo achando que os designers não são anjos nem demônios. Apenas pensam diferente. E querem trabalhar.
Pensem nisso.