Postagem em destaque

Tendências e Empreendedorismo - Gramado como Modelo Palestra

sexta-feira, junho 25, 2004

Quando eu era guri
Paulo Cardoso

Dizem que quando a gente fala isso, é porque está ficando velho. Na verdade há muitos sintomas da velhice: Certidão amarelada, cabelos brancos, esquecimento (quando você conta com animação um fato e seu interlocutor, tedioso lhe diz que já sabia, porque você mesmo lhe havia contado algumas vezes, é porque sua memória…bom, você está velho), saudade dos amigos da infância e principalmente por achar que o mundo já não é mais o mesmo daqueles tempos de antanho. Enfim, quando você tenta recuperar o tempo que deixou de passar com os velhos amigos e descobre que eles não são mais os seus velhos amigos, mas antigas lembranças que não desejejam lembrar que tamb´m estão velhos, e sua presença produz esse mesmo efeito neles.
Mas quando eu era um guri, não digo tão tenro que mijasse na cama, mas quando ainda acreditava que poderia e precisava mudar o mundo, embora não soubesse o porquê e nem de que jeito, mas brigava por isso, brigava por aquilo e assim como brigava, ao primeiro rabo-de-saia que passasse, as mudanças do mundo que esperassem, pois eu tinha que cuidar de interesses maiores: a minha própria vida, e quem sabe, se o belo rabo-de-saia permitisse, a vida de minha futura família, cuja máter recém se apresentava para esta oportunidade.
Isso, naturalmente, até cruzar pelo próximo rabo-de-saia, e assim a vida seguia seu curso. Afinal, eu ainda era um guri.
Mas quando eu era um guri, a vida não tinha tanta pressa. Eu é que tinha pressa de viver a vida. Mas ela olhava para mim com uma doçura que só a vida é capaz de ter e me chamava para conhecer o mundo. E lá ia eu, feliz da vida e com a vida, acreditando que com esse andar, pudesse mudar o mundo. E encontrava outros moços, que como eu, de braços com suas próprias vidas, mudavam às suas maneiras o seu próprio mundo.
Mas a candura dos tempos nos traz de volta à lembrança de que não somos mais guris. Não pelo menos nós que travávamos aquelas lutas pela primazia dos olhares dos nossos velhos rabos-de-saia, que hoje tamb´m, em algum lugar do presente, devem se lembrar com terno fechar de olhos, os doces tempos em que esses homens a caminho da velhice eram ainda guris.


quarta-feira, junho 23, 2004

Vergonha na Cara
Paulo Cardoso

Isso é um negócio que uns têm. Outros não. Eu explico: mentira por exemplo. Quem admite que é mentiroso, mas assim , na cara dura, deslavado? Que eu saiba, ninguém. Pois muita gente é. E se for chamado de mentiroso, tipo assim, na lata, no dedo em riste, ah, mas vira bicho. Diz que lhe ferem os brios, e que pataquá, e etecétera. Mas continua sendo mentiroso. E sem caráter. E como, mas como tem gente desse tipo.
Vejamos um exemplo: Ah, esta é uma prova para saber se você tem caráter, se é honesto, se tem vergonha na cara e se não é mentiroso. Vamos ao caso:
Você está fazendo algo, mas não se caracteriza como algo absolutamente urgente. Nada o impede de divergir do assunto uns minutinhos , porque não fará a menor diferença. E o telefone toca. Pronto: está armada a circunstância propícia para começar sua cota de mau caratismo do dia. Talvez a primeira de uma série delas. Bem, nesse tempo, o telefone já tocou novamente duas vezes. Voce grita: “Mas ninguém atende essa merda de telefone?” (esqueci de mencionar que a merda do telefone está na mesa à sua frente. Alguém é generoso e atende:
- Alô! Quem? Fulano? Ah, … (e voce imediatamente inicia um balé de sinais pra saber quem é).
- Um momento, sim. Vou ver se está. Aí entra “Kalinka”, aquela outrora tão linda e sentimental melodia russa, agora tão banalizada pelo som de “bits”. Diria até que se trata já do hino nacional da mentira.
E você diz, aos gestos apavorados de uma coreografia sofrida que “de jeito nenhum. Que você soube de um parente em coma no Alasca e que foi obrigado a prestar solidariedade a uma família de afegãos que dependiam emocionalmente desse parente, porque eram refugiados no Egito”. Isso. Essa seria uma desculpa aceitável pra não atender nenhuma espécie de telefonema. Afinal, o que as pessoas pensam? Que podem pegar num telefone e sair ligando pras pessoas? Mas com quê direito?
- Alô. Desculpe a demora…é que tive que correr atrás do avião na pista molhada, mas já havia decolado..infelizmente..foi visitar..blá..blá…blá.
- Não, infelizmente não há a menor previsão de retorno, não pelo menos enquanto o PT estiver no governo.. mas, o senhor gostaria de deixar recado? (e diz isso com a voz mais cândida do mundo) Não? Deixe então seu telefone, que o fulano vai ligar, assim que retornar..está anotadinho aqui. Não se preocupe. Obrigado.
As desculpas variam. Ora é para o Alasca. Outra vez é desencalhar o Rainbow Warrior dum poço de petróleo incendiado pelos anti-ecologistas no Cáucaso. Tem vezes que não há desculpa alguma: simplesmente o telefone fica fora do gancho (eu ainda vou escrever sobre isso: porque raios se chama “gancho”, se nem gancho tem mais. Ou por que se chama “discar”, se é tudo com teclas?), e a vítima que se lasque.
E então: pronto. Você mentiu. Mentiu descaradamente. Mentiu porque é um covarde. Mentiu porque não tem a menor consideração com as pessoas. E mesmo que na outra linha esteja um chato, voce mentiu porque não tem peito pra dizer: Pô, não me amola. Eu não quero falar com você. Não me ligue.
Mas por que se expor, se mentir é mais barato? Mais divertido? Menos agressivo? Afinal, você É civilizado. E nesse caso, mentir é uma marca de sutil elegância.
E depois você se queixa que este mundo está pior, porque as pessoas não são verdadeiras. Porque os valores morais foram apagados pela busca do ter em lugar do ser. Pelo mau caratismo dos outros.
E há outras mentiras que varrem a sua vida. A mentira do cheque que um caloteiro lhe passou, e por isso não pôde saldar um compromisso no dia, quando simplesmente você não tem coragem de dizer: “Não pude te pagar hoje. Calculei mal, errei no meu planejamento. Gastei o que não podia e comprei o que não devia, e agora me ferrei. Mas sempre tem outro na ponta da linha. Sempre os outros são os culpados pelos nossos infortúnios.
Por que não assumir de uma vez, passar uma vassoura na sujeira da nossa vida, assumir que cometemos burradas atrás de burradas e dizer: pronto. Desabafei. Errei. Fiz besteira. Mas não quero mais errar. Não quero mais mentir, não quero mais emporcalhar minha honra nem fazer as pessoas de bobas. Não quero mais embromar as pessoas. E se o fizer, quero ter a dignidade de voltar atrás e dizer: “Me perdoe, porque eu fui sacana”.
Mas, claro, que isso quem tem que fazer são os outros. Você é perfeito. E se você é perfeito, então você é quase um deus. E se você se sente um deus, então você é um mentiroso, porque Deus só há Um. E nunca mentiu.
O direito de estar errado
Paulo Cardoso

Temos todo. Principalmente porque erramos o tempo todo. Felizmente, porque os erros são nosso grau de colação na tão promulgada “Escola da vida”.
Diz o adágio popular que só o homem tropeça duas vezes na mesma pedra. É verdade. Mas também só o homem pode se perguntar: “por que botaram esta pedra no caminho?”
Diz-se do homem ser fruto do seu meio. Meia verdade nisso, porque conheço gente decente neste mundo, e dizem que este mundão velho não é mais de se pegar com a mão. Meia mentira isso também, porque já encontrei pessoas que nasceram e foram criadas em famílias exemplares, mas se tornaram vegetais sociais.
Diz-se do homem ser um animal social. Não se compara: animal social pra mim é a formiga. Não Bush nem Bin Laden. Diz-se também do homem ser o melhor amigo do cão. Não? Ah, é o contrário? Justificado então os criadores de pitt bulls.
Diz-se que aqui se faz, aqui se paga. Ah, tá. Falem isso ao governo que daqui toma e lá for a tanto paga. Mas tamb´m se diz que cada povo tem o governo que merece. Pode ser. Todos devem ser castigados para se purificar e aprender a errar menos. Ah, mas dizem, isso eu não posso afirmar que saiba por mim mesmo, mas dizem, que em priscas eras o salário mínimo era o mínimo justificável para se chamar de salário, isto é, a justa paga por um dia de trabalho. Ah bom, mas isto não mudou. O salário mínimo é exatamente o suficiente para o que o homem necesita dar à sua família em um dia de trabalho. O problema é que o mesmo dinheiro precisa durar um mês.
Acho que estamos exercendo com louvor nossos direitos todos: o de errar, e o de pagar pelos erros dos outros. O de falar, e o de pagar políticos para que falem por nós. O de viver, e o de atrapalhar aqueles que vivem à custa do dinheiro que falta dentro do mês em nossos salários.

terça-feira, junho 22, 2004

Relacionamentos
Paulo Cardoso

O tema central das lições da Escola Sabatina no próximo trimestre tratam de um ponto sensível na igreja, mas não apenas dela, como também do grande problema do novo século que engatinha por nossa existência. Oportuno e providente começar uma nova estrada cuidando da essência da vida: o trato de umas pessoas para com as outras. No meu entender, a mensagem central da pregação de Cristo, e a mensagem de esperança para o porvir, onde, caso as pessoas se comportassem exatamente do jeito que se comportam nos dias de hoje, sinceramente, não haveria a menor graça desfrutar da eternidade.
A questão dos relacionamentos começou no Céu, passa pela terra e volta e ter seu desfecho no mesmo Céu. Não se trata portanto de algo simples nem pequeno, mas vital e que se referencia no infinito. Sobre isso não há controvérsias. Pelo menos no meio cristão. Na verdade, controversa mesmo a questão dos relacionamentos nunca foi. Todos sabem, crêem e pregam que eles são a base de sustentação de uma sociedade. O que diferencia isso de outras civilizações, que também pregam a paz entre as pessoas, a tolerância, a compreensão, a empatia e a simpatia, enfim, os meios que produzam bem estar entre uma e outra pessoa quando estas têm que dividir espaços comuns, é a forma com que devem ser resolvidas as diferenças: pela justiça e pela humildade.
Eis aí o grande problema. Humildade. Todos pregam e instam à sua prática, desde que comece pelos outros. Todos desejam a paz, desde que os outros a pratiquem. Todos acham que impostos são devidos, desde que só os ricos os paguem. Todos acham que o país tem que mudar, desde que o governo o faça, e faça sem tocar na liberdade e no direito que cada um tem de se omitir. Todos acham que a administração de sua organização está errada e é arbitrária, mas nem todos lembram que as grandes corporações são a representatividade dos erros e acertos das pequenas coprorações, desde o grupo social local, passando pela família até chegar na organização moral e ética do indivíduo em si.
Não adianta desejar mudar o mundo, se não mudar a nação. Não adianta mudar a nação, se não mudar a sociedade. Não adianta mudar a sociedade, se não mudar a família, e de nada adianta mudar a família, se os hábitos viciosos de indivíduo não forem purgados em benefício de uma vida melhor, de uma familia melhor, se uma sociedade melhor e de um mundo aceitável.
De quem são os erros pelos erros dos outros, senão meus próprios erros pela omissão? De quem são os desvios da sociedade senão meus próprios desvios pelo egoísmo e marasmo ético? O são os tropeços dos caminhos senãos as pedras que eu próprio espalhei para impedir que outros andassem pelos caminhos que julgava meus? De quem são os espinhos senão os que semeei pelos campos alheios e que o vento os espalhou em minha própria seara?
De nada vale discutir relacionamentos se não estivermos dispostos a despir-nos dos trapos sujos de nossa covardia. De nada adianta espargirmos perfumes pelo ar se não estivermos limpos antes. De nada adiantam os belos discursos, se nossa vida não falar mais alto que nossa própria voz.

O Onze do nosso descontentamento

Paulo Cardoso



Definitivamente ninguem põe em dúvida que onze de setembro e onze de março
são duas datas divisórias, ou melhor dizendo, o primeiro onze divisa os
tempos, e o segundo, sela o têrmo nas mentes estupefactas do mundo temeroso.

E não foi apenas no complexo caminho das relações internacionais que isso
fez sentido, mas em tudo quanto a mão e a mente humanas podem influenciar:
na guerra, nas relações comerciais, políticas e institucionias. A justiça
foi redesenhada e as fronteiras se tornam a cada dia mais e mais
intransponíveis. O terror se espalha entre as nações. O mêdo toma o lugar da
esperança. E a paz se mostra cada dia mais distante de nós.

Desde que eu era menino, aprendi a estudar profecias e cria nelas porque eu
as estudava. Hoje creio no seu cumprimento, porque vejo diante de meus olhos
o destino das nações se descortinando diante do mundo como uma grande tela
de cinema que mostra com efeitos especialíssimos o fruto da imaginação de um
diretor.

Mas não estamos num cinema. O espetáculo magnífico escrito além dos portais
do infinito de nossa compreensão, ora se descortina como um rolo que se
abre. Mas a diferença é que não estamos diante deste rolo, mas dentro dele.
Não somos espectadores, mas persoganens desse épico formidável. Não somos
pagantes da bilheteria, porque alguém já pagou nosso ingresso. Não
pertencemos aos espectadores, porque somos protagonistas.

Os onze de nossas vidas serão jamais esquecidos, porque nos acompanharão
como marcas da intolerância e do desejo incontido de reviver a triste
história das grandes civilizações. Os onze de nosso tempo nos fazem lembrar
os antigos impérios, que foram conquistados pelo terror e dominados pelo
medo. Os métodos são os mesmos. Só as armas evoluíram. Hoje é bem mais
rápido criar civilizações e sufocar resistências. Quem viver, verá.



segunda-feira, junho 21, 2004

O caso da sogra



O caso da sogra


Demerval não era cego. Demerval não era louco. Demerval sabia tudo o que estava acontecendo com sua vida, a começar com sua casa. Ou, melhor, a casa da sogra, onde morava.

Naqueles tempos bicudos e com salário de professor de geografia em escolinha publica, Demerval sabia que era um abençoado em ter onde morar sem pagar aluguel, condomínio nem IPTU. Por isso nunca reclamava. Chegava sempre no mesmo horário, saía na mesma hora e comia as mesmas coisas. Sempre. Todo dia. Menos domingo, que tinha salada de maionese com carne de panela e spaghetti. Tudo feito pela sogra, pois afinal, demerval morava na casa da sogra.

Não era uma sogra ruim. Era até boa. Muito boa, pra dizer bem a verdade. Era diferente do conceito pré definido que devem ter todas as sogras. Ainda jovem, esbelta, bem cuidada, a sogra(por razões éticas, prefilo me referir à ela apenas pelo título: sogra) era uma mulher fina e delicada. Tinha as mãos ainda macias, a pele firme e um belo sorriso. Não era um sorriso qualquer, mas costumava sorrir com o olhar. Sorria quando andava e sorria ao permanecer calada. E ele não deixava de perceber isso, o que também o fazia emitir um orgulhoso e discreto sorriso.

E assim passavam os dias de demerval. Pode-se dizer que, embora vivendo na casa da sogra, porque a doçura dela o deixava feliz. Demerval era feliz. Mesmo tendo sido deixado pela mulher havia mais de cinco anos. Restara-lhe o verdadeiro amor de sua vida: a sogra.
Ela tinha sido sua professora de primário. Sempre linda e meiga. Um encanto. Com oito anos de idade atrevera-se a pedi-la em casamento. Ela respondeu um esperançoso “talvez, um dia”. E ele acreditou. Os anos se passaram, ela se casou..com outro. Era mais velho que Demerval, mais rico, tinha um carro..e Demerval uma bicicletinha aro 24..impossivel de competir. Mas, o tempo era o Senhor da razão, deixa estar, pensava Demerval.. Choveria na horta dele.
O tempo passou. Demerval nunca se casou. A professora teve uma filha. Linda, lourinha, olhos azuis..que cresceu, tornou-se uma bela mulher. Levada, arteira, atrevida. Tudo estava saindo perfeitamente de acordo com o que planejara Demerval.
Um homem mais velho, cheiroso, alegre, decente, e ainda conhecido desde a tenra infância da professorinha, nada mais perfeito. E Foi assim que Demerval, depois de muitas flores, presentinhos e presentões, delicadezas, se casou com a filha da sua professora.
Um gentleman. Um impagável cavalheiro. Cavalheiro demais. Cercava a esposa com flores. Mas ela queria mais. No âmago da sua juventude feminina, ela queria emoção. Ele dava presentes. Para a esposa..e para a sogra. Convidava a esposa para um jantar íntimo à luz de velas: ele, ela..e a sogra.
A sogra adorava. Aquele menino de ouro não a enganara. Doce e cavalheiresco, como o fora sempre desde a primeira série. Era o genro perfeito.
Mas não era o marido que sua filha sonhara. Não que fosse descuidado com suas obrigações. Não era. Era pontual, servil, gentil e delicado. Até que um dia ela não aguentou mais e foi-se embora. Queria mais. Queria aventura. Queria um homem normal. Ela se casara com um genro mas nunca teve um marido. Puxa vida. Por que ele não poderia ser só um pouquinho parecido com os outros? Deixar a cuéca atirada no corredor..as meias na mesa de jantar, arrotar à mesa..roncar..dizer palavrões. Por que ele não faltava pelo menos uma vez com o respeito para que ela tivesse uma única oportunidade de jogar tudo na cara dele?
Mas não. Demerval era metódico. Matemático. Amoroso. E nem queixar-se à mãe ela podia, porque iria dizer o quê? E logo pra quem. Daí foi-se embora. Só o que sua dignidade machucada lhe permitiu fazer foi deixar uma carta de despedida..em branco. E Demerval ficou só..com a sogra.
Não. Demerval nunca mais ousou pedir a professora em casamento. Ela já dissera seu talvez. E esse “talvez” era a certeza de que Demerval necessitava para ser feliz. Mesmo que ao lado da sogra.

Uma certa manhã
Paulo Cardoso

Sempre fui favorável a que as manhãs começassem mais tarde. Talvez depois do meio dia. Bem, podem achar que é tarde. Então tá. Pelas dez. Feito. Hora ideal para se abrir a janela, olhar a vida, cumprimentar o dia e..se estiver chuvoso, então voltar a dormir, que nesse caso é o melhor jeito de esticar a vida pelos caminhos do sono.
Acontece que nem todos pensam assim. Eu entendo. Perdôo-lhes a falha de caráter. Entendo que é perfeitamente justificável que algumas pessoas gostem de levantar cedo. Eu faço isso. Sim, religiosamente aí pelas seis da manhã. Todos os dias. Cumpro minhas obrigações, dou descarga e volto a dormir.
Entendo também que as pessoas possam não gostar das segundas feiras e também das sextas. Pessoalmente acho isso: as segundas não têm defesa mesmo, mas as sextas, ah não. Essas têm que ser justificadas. Afinal, qual é o dia que precede o sábado? Heim? No meu caso, por religião, faço do sábado meu descanso prazeroso. Mas há outras religiões no mundo, cujos prosélitos merecem todo o meu respeito. Até mesmo a turma que ama a sexta feira porque, dizem, isso eu não sei, mas dizem que é o dia internacional da cervejada e batucada na casa do Belô. Dizem também, isso eu não sei, pois minha religião também não me habilita a comer dessas firulas gordurosas como torresminho, salsichinha e louras alheias. Mas isso eu também tenho que fechar um olho pros que não vêem nada de mal em trebeliscar uma friturinha aqui, outra celulite ali. Cadum, cadum.
Longe de mim desejar reformar o mundo. Isso nunca. Acho bom demais do jeito que ele é. Acho que está tudo certo…tá, tá, nem tudo. Bom. Então se é pra mexer, acho que então tem que ser faxina geral. Vamos por mãos à obra e começar. Guerra: Vai pro lixo. Roubalheira, seja no governo, nos cultos ou no jogo do bicho: sem perdão. Ensaca e deixa do ladinho, que na quarta feira o lixeiro leva. É dia de lixo orgânico. Vejamos..tem aqui uns trecos..que..ah, já sei: mesquinharia..ih, acho que esse o lixeiro não leva. Certo, enterra.
Mas temos que organizar essa faxina: todos devem usar luvas, porque tem uma inhacas que não saem nem com detergente sanitário. E depois de tudo bem limpinho, vamos lavar tudo com água de lavanda.
Então certo. Tudo arrumado, vamos ao banho, porque os olores putrendos, aquela murra, fica nas mãos, nos cabelos, no coração. Todo mundo pro banho…ei..epa, epa, epa..quando eu disse “todo mundo”, eu quis dizer: mulher numa banheira, homem noutra. Mas QUE COISA. Mal arrumaram a bagunça e já querem começar tudo de novo?

A diferença dos iguais
Paulo Cardoso – Designer
www.pacard.com.br

O século XXI, pensávamos nós nos anos 70, seria muito diferente do que é. Ou melhor, o início deste século começou muito diferente do que pensávamos, poderia ser. Achávamos que seria marcado pelas viagens a outros planetas como uma coisa corriqueira. Não é. Imaginávamos que todos se vestiriam como os “Jetsons”. Não se vestem. Acreditávamos que as casas seriam inteligentes, acionadas por comando de voz, e até do pensamento. Não são (a casa do Bill Gates, de 60 milhões de dólares não pode ser levada em conta). Acreditavam os otimistas que a medicina encontraria a cura para o câncer. Não encontrou. O que aconteceu foi que proliferaram novas espécies de doenças, inclusive de câncer. O pensamento otimista e futurista daquela década ficou a nos dever muito.
Claro, que coisas acontecem em nossos dias quem nem os mais brilhantes visionários dos anos 70 poderiam imaginar: a internet, a clonagem, a transformação do Lula, a queda do comunismo, a capitalização desenfreada da China e clubes como o Flamengo, Grêmio e Palmeiras, perdendo espaço para o 15 de novembro, o Ponte Preta e o Cacimbinhas F.C.
Tudo isso, soma-se a outros bilhões de bits que a informação cibernética derrama a cada instante em nossas inábeis mãos em prover informações a devolver ao teclado, chegando a travar com uma das novas e imprevistas enfermidades: a tendinite.
As horas do dia são as mesmas, mas os dias são mais curtos. O mundo continua do mesmo tamanho, mas os espaços diminuíram. As distâncias continuam as mesmas, mas o tempo entre elas ficou mais curto. Os homens continuam os mesmos, mas estão muito diferentes. As multidões ainda são multidões, mas a solidão aumenta a cada dia. A globalização está tornando as pessoas cada vez mais iguais, e ao mesmo tempo tão carentes de suas diferenças. Isso porque somos únicos no universo de bilhões. Nossa dor continua sendo pessoal, como os sentimentos são íntimos. Então, buscamos nosso elo perdido: o elo de nossa individualidade. E onde poderemos encontrá-lo, senão dentro de nós mesmos e das janelas dentro de nós que podem se abrir para o mundo que podemos ver do jeito que desejarmos e na intensidade que pudermos ver?
O design é isso tudo: nossas janelas e nossa identidade. Pode ser pupular, pode ser seriado, mas será sempre individual. Supramos então este mundo com o sabor de suas diferenças, e isso façamos através do design. Cores, formas e essência, iguais para muitos, individuais para cada um.