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domingo, junho 27, 2004

As três amigas - Capitulo 1
Paulo Cardoso

Uma era baixinha e tagarela. Morena e bem torneada. Chamava-se Bertúlia. Era a mais despachada da troupe. Filha de um gaúcho autêntico, estancieiro e tradicionalista O nome era estranho. Bertúlia. Bem diferente mesmo, mas fôra engano do escrevente no cartório, pois o nome certo era: “Tertúlia”. Não era um nome lá muito ortodoxo, mas, por amor à tradição, tudo valia.
Outra era uma italianinha, Berenice, olhinhos verdes e cabelos compridos loiros. Nariz afilado e lábios finos. Magra, muito elegante e que sabia vestir-se como seu porte exigia. Falava pouco, mas sabia lançar olhares que falavam por mil palavras.
E a terceira, era a mais misteriosa de todas. Alta, esguia e sorridente. Descendente de poloneses, chamava-se “Roswitha”. Com tê agá mesmo. Era assim. Dava um nome misterioso. Sua pronuncia lembrava chá de raiz de rosas com licor de aniz numa tarde de outono entre folhas de plátano esvoaçantes. Ou coisa assim. E eram inseparáveis. Unha e carne. Tampa e panela. Lula e Zé Dirceu. Essas coisas inseparáveis. Essas amizades intermináveis.
Era tudo junto o quanto faziam: noitadas, jantares, trabalho, faculdade, gatos. Nada era de ninguém e tudo era de todas. Mesmo. Isso desde remotas lembranças, porque um dia juraram amizade eterna. Era um pacto. Uma aliança interminável, fosse o que fosse que se interpusesse entre elas.
Isso durou muito, e seria mesmo eterna essa aliança se não fosse o “Vergamota”. O Vergamota, sim senhor. Esse mesmo. Não estou falando de ninguém mais ou de algum homônimo. Era mesmo o Vergamota. Aquele incorrigível anão. Pequenino, mas tanto, que sentadinho no chão, as perninhas ainda continuavam balançando. Desbocado e fedorento. Analfabeto, linguarudo e sem um mínimo de educação. Civilidade nenhuma mesmo. Pois é esse mesmo. O Anão Vergamota. A piada do circo. O insuportável rufião dos becos nauseabundos da Rua Trinta e Três. Famoso “Beco do Salsa”. Era ali o território de domínio do temido Vargamota. Era ali o lugar onde pessoas de bem jamais poderiam imaginar em passar. Era ali que governava a sinistra criaturinha de cinco dentes, um olho vazado e um insuportável cheiro de gambá.
Mas Vergamota continuava seu minusculo império da malandragem sem a menor preocupação, por uma razão muito simples e delicada: ele havia salvo “O Hôme” de uma situação vergonhosa, quando a polícia caíra torrencial sobre a vadiagem na busca de um fugitivo perigoso. E a primeira açãoo policial foi sobre a sala rosa, da casa da Gorda. E quem estava ali, refestelado e duro de bêbado, ERA o “Hôme”. E o Vergamota sabia. Então o que fez? Fez o que devia fazer. Armou um sururu pessoalmente com duas protegidas, promovendo um escarcéu que despistasse por uns instantes a ação policial, chamando a atenção sobre seu feito, enquanto os assessores retiravam por uma porta dos fundos o “Home”,sumindo com ele pelas sombras e evitando um escândalo maior. Naturalmente, Vergamota foi preso. Levou uns bifes nas fuças, mas em menos de dois dias estava livre e com salvo-conduto no governo de seu reduzido feudo marginal.
Foi num daqueles trabalhos de faculdade, acho que de Sociologia, que as três amigas tiveram que se embrenhar beco adentro para levantar umas estatísticas sobre mães solteiras. Fácil, fácil, no Beco do Salsa, pois ali viviam pelo menos umas cinqüenta. E de menor, acho que por volta de trinta delas.
Mas não era tão simples assim entrar nos domínios do Vergamota sem um salvo-conduto do próprio. Foi preciso muito jogo de cintura e uma mãozinha provedora do “Home” para que as três em poucos dias estivessem frente a frente com “sua graça”, o Vergamota, em pessoa.
Marcada a “entrevista”, Vergamota que era aquele tipinho, mas não era burro, sabia tratar a cada um de acordo com as circunstâncias. E quando soube que três pitéus universitárias precisariam fazer um passeio pelos seus domínios, tratou de se coportar como um cavalheiro. Fez as unhas, tomou banho, perfumou-se, vestiu-se de linho bramco e chapéu panamá, como convém a todo “Chefão” (no caso dele, “chefãozinho”), mandou um “passa-for a” na marmanjada que o cercava e, como um chefe tribal, esperou as meninas em sua fortaleza (um cortiço caindo de velho).
O clima era tenso para as meninas. Berenice e Roswitha tremiam como vara verde ao vento. Bertulia era mais destemida e caminhava a passos medidos à frente das amigs. Eram passos sincronizados e solenes. Não ousavam olhar para os lados para não dar a impressão de serem bisbilhoteiras.

CONTINUA………………


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